, , ,

Home Office e Assédio Moral

15:20

Por Said Maani

Tendência há 10 anos, poucos acreditavam que o home office funcionaria. Atualmente, por conta da pandemia de coronavírus, que nos obrigou à um isolamento social, trabalhar em casa se tornou a regra, mas nem sempre foi assim.

O padrão social que acreditávamos que era o usual, herdado desde a época da Revolução Industrial, onde os trabalhadores moravam em volta das fábricas e necessitavam estar fisicamente presentes – hoje já se mostra ineficaz. 
Poucos tinham o privilégio de atuar em home office, porque o padrão de controlar, fiscalizar e punir do empregador era menos eficaz virtual do que presencialmente. 

A nossa legislação trabalhista, criada em 1943 por Getúlio Vargas, consolidou esse padrão físico de trabalho, que na época era a necessidade da sociedade, com poucos meios ou quase nenhum de controlar o empregado a distância.

Com o passar dos tempos, com o surgimento dos meios telemáticos, as distâncias, que antes eram um desafio, tornou-se um facilitador. Possibilitou o estreitamento de laços e a realização das tarefas laborais de maneira eficiente e a distância.

O que foi um achado, ao mesmo tempo foi um desafio.

Um achado porque possibilitou a produção em larga escala de trabalho, com mecanismos tecnológicos e telemáticos, automatizando diversos processos, e permitindo que o trabalhador produza mais, com menos tempo.

Um desafio, porque rompeu as barreiras do padrão industrial de subordinação direta, isto é, o chefe consegue enxergar e fiscalizar o trabalho e o empregado obedece e produz sob pressão, com o receio da punição.

O desafio das empresas de fiscalizar em home office o que seu empregado está produzindo, o horário de trabalho, o que está vestindo, dificultou a prática de trabalhar de casa.

Mesmo que o labor de casa tenha as vantagens econômicas para as empresas – que deixam de oferecer o vale transporte, os meios físicos, cadeiras, mesas – a legislação brasileira dificulta a implementação desse tipo de trabalho.

A punição para as empresas que não conseguir fiscalizar o trabalhador em home office, isto é, a jornada de trabalho do empregado, entrada e saída, horário de refeições, faz com que optem por não implementar o trabalho de casa.

Somente em 2011, a legislação brasileira, começou a engatinhar no sentido de prever as possibilidades de trabalhar em home office, caracterizando o trabalho no local do domicílio do empregado e o realizado a distância como trabalho a disposição da empresa.

Isso porque, havia discussões judiciais que o teletrabalho ou o trabalho em domicílio não era considerado trabalho a disposição das empresas, somente considerava trabalho se estivesse no local físico. O que mostra a herança e o padrão de trabalho no século XVIII, nas indústrias, onde o trabalhador – homens, mulheres e crianças – deviam estar presentes no local físico para exercer as atividades.

O que hoje já não comporta mais. A tecnologia e a ciência evoluíram de maneira astronômica, porém os preceitos humanos da sociedade de maneira tímida.

Exemplificando a timidez evolutiva da sociedade comparada com a tecnologia, a reforma da legislação trabalhista ocorrida em 2017, prevê, entre seus artigos, que os empregados em regime de teletrabalho não são abrangidos pelo regime de horas extras.

Isso significa que, mais uma vez, retrocedemos ao padrão do século XVIII, que somente possibilita a fiscalização do empregado se estiver fisicamente na empresa.


O que não se pode aceitar mais. 

Como é possível um trabalhador exercer suas atividades em home office, controlado pela empresa, se não tem horário de entrada e saída?

Veja, o empregado precisa estar logado no sistema às 8h da manhã, em casa, pois a empresa exige, e não tem horário para sair, porque está em casa, se houver demanda as 21h esse empregado deve continuar laborando, se o chefe o chamar pelo aplicativo de celular, deverá responder. 

.

Aqui percebemos duas violações.

A primeira violação relaciona-se aos direitos humanos, que é a dignidade do empregado, que dedica a maior parte do seu tempo a produzir para a empresa, deixando seus afazeres pessoais em segundo plano.

A segunda violação relaciona-se a existência desse trabalhador no mundo. Parece dramático, mas não é.

A existência do trabalhador perante sua família, seus amigos, social e religiosamente, as suas crenças, a seus afazeres pessoais, a sua saúde física e mental, é cortada com o excesso de trabalho gerado em home office. Inclusive a própria legislação trabalhista permite.

Só esse fato da existência do empregado no mundo, gera um dano a ele e a sociedade, que intitulamos de Dano Moral Existencial.

Assédio é o que empregado sofre de forma indireta pela empresa, e pela sociedade, de não ter horário fixo de jornada tele presencial.

O que está se percebendo é o descompasso entre vida pessoal e profissional. O desespero das empresas de produzir e o de obter lucro para se manter ativa e sempre crescendo, como um tumor, que se mantem ativo e crescente no corpo humano.

A questão é: até onde isso traz benefícios a sociedade?

Outra caracterização de assédio moral no trabalho em home office é o chamado de Burnout, que é caracterizado por uma exaustão física e emocionalmente de excesso de trabalho.

Mesmo trabalhando de casa a empresa necessita observar se o trabalhador está física e psicologicamente bem, fiscalizando seu trabalho. 

Caso contrário, deve arcar com responsabilidade do assédio e danos causados por doenças ocupacionais, depressão, suicídio, dentre outros males.

O que muitos empregados desconhecem é que o assédio moral pode ser praticado tanto pelo chefe, dono, patrão, quanto por outro colega de trabalho.

O mais comum são chefes que assediam os seus empregados, mesmo que indiretamente.




O assédio moral é classificado por quatro fases. 

A primeira fase chamada de “conflito”, que são a ponta do iceberg. São conflitos interpessoais que poderiam ser resolvidos pelo diálogo, e que envolve pessoas com interesses distintos gerando problemas pontuais, desencadeando um ponto de partida para os enfrentamentos.

A segunda fase é da estigmatização, é nessa fase que o assediador humilha a vítima, utilizando comportamentos perversos, com a finalidade de isolar socialmente a vítima.

A terceira fase é da intervenção na empresa, o conflito é percebido pela direção da empresa, pelo departamento de recursos humanos, o que pode gerar tomadas de decisões de transferir a vítima de posto de trabalho ou o assediador.

A quarta fase chamada de marginalização que é a exclusão da vítima da vida laboral da empresa. Esta se encerra com a vítima abandonando seu emprego depois de haver suportado consequências deletérias para sua saúde, ter solicitado vários períodos de licença, mudança do local de trabalho etc. Excepcionalmente, o empregado assediado pode chegar ao suicídio.

O que se deve observar que muitos trabalhadores sequer percebem que são vítimas dos assediadores, inclusive em home office, que separa a vítima e o assediador por uma tela virtual, tornando-se mais fácil assediar.

A prática de telefonema após o expediente exigindo a entrega de um trabalho pode ser considerada um assédio, por violar os direitos existenciais desse trabalhador, que não é uma máquina e deve ser respeitado.

Outra prática, muito comum, que quase é ignorada pela empresa, é o tratamento que os empregados de anos de empresa fazem com os novatos, como se fosse um trote de faculdade, exigindo esforços e trabalhados como se chefes fossem, ocasionando um estresse desnecessário no ambiente de trabalho, e ocasionando o assédio. 

Há divergências entre empregado e empregador, mas estas devem ocorrer dentro de um clima de respeito mútuo, pois é algo normal e até construtivo pela existência de discussões e consenso entre as pessoas envolvidas em um mesmo projeto. Porém, o que não pode ocorrer é que, por detrás das divergências, aflore o desrespeito, a perseguição e a violência.

O assédio moral é uma situação em que o trabalhador é exposto a situações humilhantes, constrangedoras, vexatórias durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções.

Por derradeiro, para evitar os conflitos na seara trabalhista, é indubitavelmente importante que a empresa, por meio de métodos de gestão, dê o exemplo de modo transparente de funcionamento que permita a todos agir de maneira sadia. Se a empresa respeitar verdadeiramente as pessoas que compõem o grupo, isto terá uma aura positiva sobre o comportamento desses indivíduos.

A prevenção a todas as formas de desvios relacionais pode produzir valor agregado e resultados, pois em estruturas sólidas e sadias, o assédio moral não tem lugar.

Por fim, as consequências geradas pelo assédio moral não se limitam à saúde do trabalhador, mas também à esfera social da vida do empregado, trazendo consequências econômicas para o obreiro, para a empresa e para a sociedade.





Said Maani é advogado trabalhista e bancário especializado em negociações. Conheça outros conteúdos nos canais :

Instagram: @saidmaani
Youtube: Said Maani

VOCÊ PODE GOSTAR TAMBÉM

0 comentários

Subscribe and Follow

SUBSCRIBE NEWSLETTER

Get an email of every new post! We'll never share your address.