, , ,

Skate: Bate papo com Rodrigo K-b-ça, Team Manager da Vans Brasil

18:00

Diferentemente do que muitos imaginam, o mundo do skate não é formado apenas de skatistas, fotógrafos e videomakers. Por trás das pistas, dos campeonatos e, das ações para promover o esporte, os skatistas e as marcas, existem um exército de apaixonados pelo skate, que dedicam sua vida pela evolução do carrinho.

Ex- skatista profissional, o gaúcho Rodrigo Vargas de Lima, o K-b-ça, de 44 anos, abriu mão de uma carreira promissora em cima do carrinho para trabalhar nos bastidores do esporte. Depois de passagens pela revista Tribo e pela marca QIX, atualmente, ele é o elo de ligação entre as equipes de três esportes e a Vans, marca onde atua como Team Manager.

Essa entrevista acontece em um momento especial, pois no último domingo (31), K-b-ça fez uma declaração  muito comovente e corajosa, que demostra mais uma vez, que nossa sociedade precisa evoluir muito e que para o amor não deve haver barreiras, concessões e censura. 

Conheça agora um pouco da vida desse operário do skate, que também contribui no fortalecimento do esporte aqui no Brasil. Descubra também que é possível trabalhar com skate, sem ser um skatista profissional.    

ÉQM: Como o skate entrou na sua vida? 
K-b-ça: Já tinha visto o skate quando era bem criança, mas o interesse mesmo veio aos 11 anos. Um grupo de skatistas mais velhos do meu bairro fizeram um half-pipe e eu ia todos os dias lá vê-los andar. Aí começou a pressão em casa para ganhar um skate. Meu primeiro skate veio no dia 12 de outubro de 1987. Ganhei da minha irmã e do meu cunhado. E lá se vão 33 anos.

ÉQM: Você chegou a se profissionalizar como skatista, foi fotógrafo e trabalhou na Tribo, como foi essa transição de carreira e o que te motivou a isso? Há quanto tempo optou por essa mudança? 
K-b-ça:  Eu era um amador bem conceituado no RS e me dava bem em campeonatos da região sul do Brasil. Era patrocinado e tudo mais. Quando passei a Pro, em 2002, eu já estava bem desencanado de viver do skate. Nesta época, eu já escrevia e fotografava para o site de uma marca de skate e já sabia que meu trabalho seria feito nos bastidores. Era uma boa maneira de poder unir o útil ao agradável. Poderia seguir colaborando com o skate e andando. Em 2002, por uma série de motivos, deixei Esteio, no RS, e mudei para São Paulo. 

A transição de skatista profissional para profissional do skate foi até que tranquila e foi um caminho meio natural. Possivelmente, se eu tivesse insistido em viver como skatista, eu seria um cara frustrado hoje e, talvez, não tivesse contribuído tanto para o skate como consegui contribuir trabalhando nos bastidores.



ÉQM: Como é o mercado do skate para não skatistas?
K-b-ça:  Olha, acho que o mercado do skate está até mais preparado para não skatistas do que para quem anda de skate. Em geral, o skatista ainda não aprendeu a usar o que ele conhece sobre o skate, de forma mais racional. Muitos acham que só a vivência da rua pode ajudar a conquistar uma vaga de trabalho, em marcas de skate. Isso é uma ilusão. Mesmo não tendo um curso superior, ter feito o ensino médio técnico em publicidade, me ajudou muito a entender diversas coisas do skate. Ler bastante me ajudou a ter diversas referências que me ajudam no trabalho. 

Saber sobre skate é ótimo, mas sem ter uma bagagem de cultura geral, não vai te ajudar a resolver certas questões do trabalho, seja com skate ou não.

ÉQM: Como surgiu a oportunidade na Vans?
K-b-ça:  Fui chamado para a reunião de entrevista, em dezembro de 2015. A ideia era que eu fizesse parte da equipe de trabalho, para uma nova fase da Vans no Brasil, já em 2016, quando a VF Corporation, que é proprietária da marca, iria comandar a operação no Brasil. Meu nome foi escolhido pelo time de skatistas da marca, que se reuniram para escolher um team manager para trabalhar com eles, nessa nova fase. Até onde soube, meu nome foi o único a ser unanimidade entre todos. Dizem que as unanimidades são burras né? Espero que eu tenha sido uma exceção! (risos). Foi bom ter entrado nessa fase da empresa, pois tive mais contato com a filosofia da marca, que eu já admirava, mas descobri que não era só um discurso. A Vans é uma família gigante e tenho muito orgulho de fazer parte dela. Atualmente, a Vans passou a ser distribuída por outra empresa. Desta vez, fazemos parte da Arezzo&Co, mas o legal é que eles entenderam que a Vans é uma marca com diversas coisas diferentes, até “estranhas,” e eles respeitaram isso.

Foto: divulgação

ÉQM: Na prática o que faz um Team Manager? 
K-b-ça:  O trabalho do team manager tem como função principal gerenciar a equipe de patrocinados de uma marca. Hoje, além da galera de skate, também sou responsável pelo surf e BMX. Fiquei bastante assustado com isso, mas no final, a filosofia é bem parecida. Nessa função, sou o elo das equipes com a marca. Tenho trabalhos burocráticos para fazer. Tenho que separar o material que é enviado para eles e tenho que estar atento para que não falte nada. Além disso, crio situações para que eles estejam na mídia ou os ajudo com projetos pessoais mesmo, mas que reverberem nas mídias especializadas. O team manager tem que ser um pouco psicólogo e entender cada um. Apesar de uma equipe ser um coletivo, cada um tem sua personalidade, suas qualidades e defeitos. É impossível tratar uma equipe como se fosse uma única pessoa. Então, tem que saber a hora de elogiar, mas também a hora de dar bronca. Além desse trabalho, também sou uma espécie de conselheiro para tudo que envolva skate dentro da Vans.

ÉQM: Até onde vai a sua autonomia dentro da Vans global. Seja para patrocinar um skatista, patrocinar um projeto aqui no Brasil ou se posicionar em relação aos acontecimentos, como o caso do post sobre ódio e intolerância?
K-b-ça:  De certo modo, a Vans me dá esse espaço para que eu me posicione sobre diversos assuntos, mas sempre evito críticas públicas sobre certas coisas, principalmente relacionadas a ações de outras marcas. Afinal, também somos uma marca e passíveis de erros. Já tinha que fazer isso na época da Tribo. Mas isso é um autopoliciamento. Tanto a Vans Global quanto a Vans Brasil me dão a liberdade para ser eu mesmo. Em relação a contratação de novos skatistas, a Vans é bem diferente das outras marcas que trabalhei. Antes, o dono da marca ou o chefe do marketing falava que esse era o novo skatista da marca e pronto. 

Na Vans, eu faço a proposta e argumento o porquê da escolha e como essa pessoa pode se encaixar na marca. Foi assim com o Xaparral e a parceria é incrível. Esse trabalho de indicação e argumentos rola com a equipe também, mas como todo mundo já me conhece mais, tenho a confiança deles. Quem entra na Vans, tem que entrar para somar. Ninguém é a estrela do time e essa distinção não é boa para ninguém. No caso de eventos, na Vans não existem decisões tomadas de maneira monocrática. Sempre conversamos bastante sobre eventos que patrocinamos. Acredito que só uma vez tivemos um evento decidido só por uma pessoa e ele acabou vendo que quem era contra estava certo. 

Em relação ao post sobre os episódios de ódio e intolerância, só posso dizer que essa é a Vans. Somos uma família feita de gente de todo tipo, pretos, asiáticos, brancos, latinos, LGBTQs, nerds, roqueiros e por aí vai. Como marca e como família, não podemos aceitar que nenhum de nós seja tratado de maneira agressiva ou com desprezo. Somos uma família grande demais para aceitar isso!

ÉQM: A Vans me parece ser uma empresa muito bem estruturada, faltam mais empresas assim no mercado?
K-b-ça:  Temos diversas marcas bem estruturadas no mercado. Umas grandes e outras menores. Acho que o que faltam são empresas que, entendam quem os fez chegar onde chegaram e valorizarem essas pessoas, como algo fundamental para a marca. Temos muito claro que a Vans só é a Vans por causa do skate. Não se justificaria ser uma marca de skate, ter  a palavra SB ou Skateboard no nome, e achar que o skate não é o foco. É muito claro que o skate não sustenta a maioria das marcas grandes. Porém, se tem gente que usa essas marcas é porque se inspira no skate ou porque gosta do estilo dos skatistas. 

ÉQM: Apesar das olimpíadas, você acha que o skate tem conversado bem com o público de fora dele? 
K-b-ça: Acredito que sim. Digamos que o skate é bem mais “limpo” do que era nos anos 70, 80 ou 90. Talvez, o primeiro grande revés dessa imagem tenha sido o game Tony Hawk’s Pro Skater, que por muito tempo foi um dos jogos de videogame mais vendidos. Hoje, os skatistas falam com diversos públicos e, talvez, chegará um dia em que surgirão skatistas para os quais o skate será só um esporte mesmo. Por enquanto, o público geral nos entende mais, mas ao mesmo tempo, mantemos um pouco essa chama acesa de que somos skatistas, inicialmente. Ainda existe uma faísca de rebeldia em cada pessoa que anda de skate. 

ÉQM: Domingo você fez um post muito importante sobre sua sexualidade. Como foi a decisão de se abrir nas Redes? O skate é um ambiente preconceituoso?
K-b-ça: Infelizmente é preconceituoso sim. A decisão teve algumas fases. Muitos amigos e toda a minha família já sabiam, também foi algo que nunca escondi na Vans. A decisão de falar abertamente sobre isso começou em 2019. Estava acompanhando a equipe que produz o Loveletters to Skateboarding, aquela série de pequenos documentários sobre o skate, que eram comandados pelo Jeff Grosso, um dos grandes nomes do skate mundial e, no meio de uma conversa, contei para eles que era gay. De imediato a recepção deles foi impressionante. Foi muito amor e suporte. 

No mesmo dia, eles falaram que iriam fazer um episódio sobre o tema e me chamaram para participar. Só que comentei que ainda não estava tão preparado para falar sobre. Ainda no ano passado, o Fabiano Rodrigues me chamou para uma reunião e disse que queria fazer uma espécie de documentário a meu respeito, incluindo o fato de eu ser gay. Na hora senti aqueles calores que sentimos quando algo nos assusta muito. Mas disse que toparia, porque já estava cansado de diversas pequenas coisas cotidianas e pensei na quantidade de caras como eu, que morrem de medo e até mesmo não entendem o que está acontecendo com eles. Logo depois, os caras da BlackMedia também me falaram que gostariam de fazer uma entrevista comigo falando sobre o assunto, também topei. Só que em março deste ano, o Jeff faleceu e foi um baque muito grande. 
Senti que perdia um familiar. 

Jeff Grosso foi grande apoio para K-b-ça

Poucos dias depois o pessoal que produz me falou que o episódio sobre o skatistas LGBTQ iria ser concluído e se eu gostaria de participar, mesmo que com um pequeno depoimento. Não pensei duas vezes em dizer que sim, pois seria uma grande maneira de homenagear o Jeff. Mesmo com o vídeo pronto, ainda estava me preparando para o impacto que isso pudesse ter.  Então, sentei, escrevi aquele texto e postei.  Por incrível que pareça, várias coisas que eu achei que estavam bem resolvidas na minha cabeça, foram cuspidas naquele texto. Foi quase um exorcismo. Recebi os teasers do programa no sábado e já estava decidido que postaria tudo no dia 01 de junho. No domingo, o Dexter me mandou uma mensagem dizendo que estava feliz por saber que eu participaria desse episódio. Por isso, resolvi adiantar a postagem para o dia 31 de maio. 

Apesar de já existirem outros skatistas que são abertamente gays ou trans no Brasil, acredito que eu seja o primeiro que está trabalhando no mercado ou que foi skatista profissional a falar abertamente sobre isso. Isso gera visibilidade e um dos motivos pelos quais resolvi falar sobre isso foi para que muitos que não sabem como lidar com isso tenham essa visibilidade. Recebi algumas mensagens de skatistas gays que nunca conseguiram falar com ninguém a respeito e isso triste. 

Hoje em dia o skate é bem mais aberto do que nas décadas passada e, mesmo sendo um ambiente machista e com uma série de outros preconceitos, juntos podemos ir ensinando que ser gay é normal sim. 

Foto divulgação


ÉQM: Que recado você daria para aqueles que querem entrar no mercado do skate, mas não querem ser skatistas profissionais?
K-b-ça: Pode parecer clichê, mas o conselho é estudar, ler o máximo que pode e buscar entender o mundo ao seu redor. O skate, além de ser algo que nos une e uma diversão, também pode ser uma ferramenta de aprendizado. 

Rapidinhas



ÉQM: Um livro: 
K-b-ça: Um centauro no Jardim, do Moacyr Scliar. 

ÉQM: Um pensamento: 
K-b-ça: não é um pensamento, mas uma dica. Assiste a série Merlí a Netflix. É uma boa maneira de começar a entender diversas coisas sobre a vida. 

ÉQM:Um skatista foda:
K-b-ça:  Matt Hensley


Obs: O Loveletters, que conta com a participação de K-b-ça deve sair no dia 15 de junho

VOCÊ PODE GOSTAR TAMBÉM

0 comentários

Subscribe and Follow

SUBSCRIBE NEWSLETTER

Get an email of every new post! We'll never share your address.