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Entrevista com Tato Cruz, vocalista da Falamansa

08:10

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O forró entrou na minha vida no começo dos anos 2000. Lógico, assim como a maioria dos frequentadores, conheci o ritmo através de bandas como Falamansa, Circulado de Fulo e Rastapé. Depois de muito tempo dançando o forró universitário e dando vários giros por aí, comecei a pesquisar de onde vinha aquela batida de sanfona, zambumba e triângulo popularizada por aquelas bandas. 

Apesar de uma “ala mais conservadora”, fazer algumas críticas, a maioria dos grandes músicos nunca deixaram de agradecer o que a banda, composta com Tato Cruz, Valdir do Acordeon, Alemão e Dezinho, fez ao forró. 

Você pode ser o forrozeiro mais raiz, mas duvido que você nunca tenha dançado ao som de Xote da Alegria, Rindo à toa ou Amigo Velho.  Você pode ser o forrozeiro mais conservador, mas precisa aceitar que, anos depois do boom do forró, a Falamansa ainda é referência do ritmo. É a música deles que toca na festinha junina pelo Brasil a fora, e é a Falamansa que está presente nos programas de maior audiência. 

Por isso, nada mais justo do que entrevistar o vocalista da Falamansa, Tato Cruz, e entender um pouco de como aconteceu esse fenômeno, além de saber o que ele pensa do atual momento vivido pelo forró e o que acha das críticas que fazem a banda.

Acompanhe a entrevista na íntegra 

EQMescapuliu- O que o Falamansa realizou foi uma revolução no ritmo. O que foi determinante para esse boom do forró? Teve alguma fórmula mágica, alguma estratégica ou simplesmente aconteceu?
Tato Cruz- Para responder, é preciso enfatizar que não foi só a Falamansa, a responsável por essa revolução rítmica

Foi sim resultado de um movimento jovem, do qual a Falamansa também faz parte, mas composto de produtores de eventos, panfleteiros, artistas, e é claro, o consumidor final. Todos “engajados”.

E está aí o segredo! São muitas pessoas vibrando a mesma ideia, a mesma energia.

Um interesse mútuo e espontâneo, que atraiu a atenção das gravadoras.

No momento certo e com a linguagem contemporânea da época. Unindo a isso, é claro, o valor rítmico do forró, que atraiu os jovens universitários através da dança, e da possibilidade de aproximar pessoas.

EQM- Como você vê o forró atualmente? Seja como música ou como movimento cultural. 
Tato- Fico feliz em ver a nova geração chegando com tanta maturidade musical e respeito às tradições. É incrível olhar para traz e ver o quanto esse movimento cultural cresceu e já deu frutos.

Foto: Divulgação site

EQM- Você ouve forró no seu dia a dia. Acompanha os novos trios? Quem você ouve?
Tato- Tenho ouvido bastante forró ultimamente, pois tenho ficado mais em casa e acabo dando mais atenção para os meus vinis. Dominguinhos tem sido a trilha sonora desses momentos em família.

É claro, que fico sempre de olho também no que está rolando, na nova geração e me alegra muito ver o quanto o movimento evoluiu musicalmente.

Nem dá para citar nomes porque são tantos e tenho medo de esquecer de alguns ...mas vejo que as bandas e trios que fazem parte da cena atual tem em comum o respeito às raízes e origens, o que é essencial para perpetuar o ritmo original, presente na nossa cultura.

EQM- Nós temos músicos e trios incríveis, na ativa e que cantam músicas autorais. O que falta para que o forró volte a explodir?
Tato- É bom a gente começar dizendo que estourar com forró pé-de-serra no Brasil é difícil meeesmo!

Um país com uma diversidade cultural tão grande, onde vários estilos musicais coexistem, não dá para esperar que um ritmo como o pé de serra esteja sempre em alta. É uma combinação de fatores, que depende muito dos anseios da geração, do momento e da necessidade do mercado.

E para acontecer novamente, a roda tem que se manter girando, até uma novidade aparecer, com uma leitura diferente, mais contemporânea. 

Mas acho que o grande legado dessa geração atual do forró é manter a chama acesa, preservando as origens até chegar nas próximas gerações.

Só sinto falta atualmente de uma identidade própria mais forte, sem amarras, mais autoral, sem replicar o que já existe, mas sim criando uma linguagem nova, uma tecla SAP para “explicar” o forró para as gerações que vem por aí...

A nossa época, dá para ser explicada por músicas: “Rindo à toa”, “Xote dos milagres”, “Colo de menina”, “Nosso xote”, “Felicidade”, “Esperando na janela”, “Coração” e tantas outras...

Todas elas vibravam numa mesma sintonia entende?

Não tão amarrada no passado, mas também, sem deixar de lado as origens e com uma temática comum entre si muito ligada à época atual e não só espelhada no antigo. Não que este último não seja importante e necessário, é claro.

Mas essa sincronia de temáticas, com uma linguagem mais atual e misturada a referências contemporâneas, podem ajudar a agilizar esse processo de retorno do forró ao “mainstream”.

Mas não dá para reclamar também... se compararmos com 20 anos atrás, o forró ganhou muito espaço, nas novelas, nos “reality shows”, nos eventos. Caminhamos muito! 

Antigamente, era utopia pensar numa banda de zabumba, triângulo e sanfona tocando em horário nobre como o Faustão, por exemplo. Hoje, isso já é uma realidade. Somos resistência, demarcando a nossa existência.

EQM- Apesar de toda importância da Falamansa para o forró, você acha que rola uma certa discriminação por uma parte do movimento? Te causa algum incômodo?
Tato- Sempre vai haver. Mas é uma minoria que, por incrível que pareça, quer o bem do movimento! E eu entendo...É o que acontece com quem “bota a cara pra fora da casinha”.

Quando a Falamansa entra em um programa de TV, leva não só a história de uma banda, mas sim o sonho e os anseios de muitos entusiastas do forró. 

Uma vez um cara veio até mim e me disse que eu devia levar outros artistas comigo aos programas de TV.

Aí eu pensei: “-Será que esse cara pensa que eu sou o Silvio Santos?” Que eu posso levar quem eu quiser e dizer:” -Oh! Bota eles aí para cantar, junto com a gente!”

Não é assim que funciona, mas.... vai explicar para o cidadão!

Outro disse que eu tenho que parar com essa “coisa de auto ajuda” nas letras! Como se eu devesse escrever para ajudar no sucesso de todos e não o que meu coração pede. 

Antigamente, reclamavam que no show tinha guitarra e bateria. Aí vieram vários outros, usando e abusando destes mesmos instrumentos e ninguém falou mais nada. Mas a Falamansa não podia né? rs

Depois ainda veio o forró eletrônico e engoliu todo mundo com uma sonoridade moderna e sem comprometimento com as origens. Aí, espero que esse mesmo homem deva pensar: Ops... Falamansa não era tão “transgressora” assim né?

O tempo é rei e vai desenhando a nossa história através da persistência.

Nem com 22 anos de estrada, fazendo exatamente a mesma coisa, a gente se livra de um ou outro que questiona a nossa arte. Mas é insignificante no meio de tanta energia boa que recebemos diariamente.

EQM- Ao mesmo tempo, deve dar um orgulho tremendo ouvir grandes mestres agradecer a Falamansa no processo de ressurgimento do forró, né?
Tato- Esse é o combustível da nossa estrada. Esse aval dos grandes mestres é o que mais nos incentiva a entender o quanto nossas conquistas são importantes e influenciam na vida de todos os que trabalham com forró. Uma honra fazer parte dessa família e hoje ver a banda se tornar referência em eventos juninos, tal como nossos mestres. Não tem uma festa junina, no país inteiro, que não toque Falamansa. E isso é fruto da nossa persistência, por nunca ter mudado o nosso objetivo por conta do mercado ou das críticas. É, água mole em pedra dura, como diz o ditado!

Foto: Divulgação site


EQM- Em 2007, eu estava em La Paz e pedi para o DJ de uma balada tocar forró, ele tocou Falamansa. Você tem noção de qual foi o alcance global da Falamansa?
Tato- É extremamente gratificante ver a nossa música virar referência de um estilo! Achei que teríamos que trabalhar uns 40 anos para isso acontecer! Agora é trabalhar mais uns 20 para fechar essa conta!

EQM- Hoje, qual papel da Falamansa dentro do forró pé de serra?
Tato- Acredito que temos uma participação muito importante na identidade do movimento, devido ao alcance nacional da banda. Uma banda que, em 2020, está ainda presente em programas como “Faustão”, “Hora do Faro”, “Altas horas”, “Encontro”, “Música boa”, sempre carregando zabumba, triângulo e sanfona, tem uma inegável representatividade.

Quando a gente entra num estúdio de gravação, leva não só a Falamansa, mas sim a representação de um movimento, que forte ou fraco, resiste bravamente através da coragem de ser diferente e da persistência.

EQM- O que mudou na Falamansa depois de 22 anos na estrada?
Tato- Acredito que hoje somos mais maduros musicalmente e espiritualmente. Mas só isso. 

O resto continua igual.

E o grande lance da Falamansa é exatamente o que não mudou. Nosso objetivo musical, nossa formação inicial, nossas buscas pela mensagem do bem.  Tudo isso permaneceu intacto.

E foi isso que fez a banda criar uma identidade muito forte, um ideal em comum, intransponível.

EQM- Quais os planos para o futuro? 
Tato- Temos uns “feats” de altíssimo nível vindo por aí! Coisa grande! Mas é surpresa ainda!

EQM- Que recado você daria para os forrozeiros?
Tato- Não tem como não parabenizar aos forrozeiros por fazerem o que acreditam, num meio em que cada vez mais se dita como deve-se ser, agir, vestir e o que ouvir.

Ser forrozeiro é ser corajoso e acima de tudo cumprir um papel importantíssimo para o futuro da nossa cultura.

É de se admirar! Louvável!

Espero que dessa dedicação apareçam novos trios e bandas, que levem adiante o forró, sendo originais sem perder a essência. Sendo ousados sem romper com as raízes. 

E entender que não precisamos estar aqui para ver o “final feliz”, mas sim nos empenharmos em escrever essa história juntos.  Que seja longa!


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