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Forró e homofobia: As histórias de quem sofre na pele

10:57

O ano é 2020. Não precisamos mais de pau de arara para viajar, não usamos mais ficha para telefonar e as músicas agora estão na palma da nossa mão. 

Por falar em música, não retratamos mais o sertão, não falamos mais de seca, lampião ou do pé da serra. Hoje, falamos do amor, falamos das crianças e cantamos a alegria. 

Todo esse cenário, nos faz pensar que forró pé de serra está um passo à frente do mundo real, mas não estamos.  

Ao mesmo tempo que o ritmo eternizado por Luiz Gonzaga gira o globo, que uma aula ou um show de forró é apresentado através de um aparelho minúsculo e transmitido para todo o mundo, ainda existem pessoas que sofrem preconceito por conta da sua orientação sexual. 

Pessoas que teriam no forró uma válvula de escape de uma sociedade homofóbica, mas que passam por situações que colocam em xeque aquele título de ambiente livre tão cultuado por nós forrozeiros.

Na matéria dessa semana, conversamos com alguns homossexuais, que nos contaram um pouco de suas experiências dentro do forró. 

Como a intenção não é expor ninguém, o relato dessas pessoas, das quais não iremos dizer nome, localidade ou sexo, será porta-voz de todos que um dia passaram por alguma situação constrangedora. Todas as aspas foram ditas por nossxs entrevistadxs.

O que nós mais queremos é que você se coloque no lugar delxs, pelos menos nesses poucos minutos de leitura. 

O preconceito pode ser silencioso e praticamente invisível para a grande maioria que frequenta o forró. Mas, basta a gente prestar um pouco mais de atenção para perceber que, ações comuns para essa maioria, acabam sendo um grande desafio ou um grande tabu para esse grupo, que muitas vezes precisa esconder sua orientação.   

“O comentário que mais me constrangeu foi quando me disseram que tocava como um homem. Infelizmente, eu não ouvi isso apenas uma vez, é tão constrangedor que nunca tive resposta”.

Distanciamento-

Imagine você ser amigos de todos, inclusive dos mais populares da sua cidade e, de repente, as pessoas começarem a se afastar e falar pelas costas que você é bicha ou sapatão. E você não precisa nem assumir publicamente, pois o achismo delas já é o suficiente para se afastarem. 

“Eu não consigo entender como as pessoas usam isso com o intuito de agredir, como se ser gay fosse sinônimo de ser incapaz, incompetente, pior em alguma coisa”. 

“Percebi um certo distanciamento em massa de pessoas, que até então eram próximas de mim, sem brigas ou motivos aparentes para isso, simplesmente pelo fato de especularem que eu tinha algo com fulano.  Para mim, foi difícil porque quando você faz algo a alguém, você pode entender um afastamento, mas quando não se faz nada, esse afastamento causa um certo desconforto. Na prática, era eu chegar no forró e ver que as pessoas que eu falava naturalmente, mal me cumprimentam e evitavam estar perto, é como se eu tivesse adquirido uma doença contagiosa, porém me sentia bastante saudável e sabia disso”.

Dança

A coisa mais comum para quem vai no forró é a dança, mas e se você é gay e quiser chamar aquele crush para dançar ou até mesmo uma pessoa do mesmo sexo, pelo simples fato dela dançar bem?

Pois é, por diversas vezes eles tentam dançar dessa forma, mas sempre hesitam, pois quando a coragem aparece, ela estava sempre acompanhada dos olhares de reprovação dessas pessoas. 

“Eu sinta falta de coisas simples como abraçar ou segurar na mão. Mas o que mais pesa para mim é dançar mesmo. Nós gostamos muito de dançar um com o outro e raramente dançamos em público. Ainda quando o fazemos, é num forró, porque baião é visto como chamego”.

“Nunca fui de ligar para nada relacionado a comentários e fofocas vazias, mas relacionado a dançar a dois em público, na época em que isso era mal visto, sempre foi uma coisa penosa e acabava que evitava essa exposição. Mesmo ela acontecendo algumas vezes raras, os olhares tortos e de desaprovação são bem cruéis e causam um desconforto muito grande. A dança que era para ser algo prazeroso se tornava algo nada agradável e quando colocava na balança, preferia não dançar”.

“Eu achava que não, mas olhando mais atrás vejo que deixei de fazer muitas coisas com medo de julgamentos. Apesar de sempre ser assumida, todas as amigas que andavam comigo eram taxadas de lésbicas, ou que eu estava ficando com elas. Então em alguns momentos deixei de demonstrar carinho em público ou dançar para evitar tais comentários. Também sempre tive muito receio de chamar uma mulher que eu não conhecia para dançar, com medo que ela pensasse que estava dando em cima ou algo do tipo. São cuidados que a gente toma, as vezes inconscientemente”.

"Quando eu estou dançando com homens, tem olhares de desaprovação pessoas cochichando, principalmente por parte de outros homens. O ambiente do forro ainda é machista, mas eu vejo uma melhora. Ainda não é o ideal, mas está tendo uma melhora"  

Apesar da privação, o forró ainda sim é visto como uma atividade prazerosa por essas pessoas, que na grande maioria, nunca nem pensaram em desistir de frequentar por causa do preconceito.

O estereótipo machão

Nas letras de forró pé de serra mais antigas, é comum encontrar o estereótipo de machão. Uma dessas letras, é de Luiz Gonzaga, Xote dos Cabeludos, de 1967. Escritos por de José Clementino e Luiz Gonzaga.

... “Atenção senhores cabeludos

Aqui vai o desabafo de um quadradão

Cabra do cabelo grande

Cinturinha de pilão

Calça justa bem cintada

Costeleta bem fechada

Salto alto, fivelão

Cabra que usa pulseira

No pescoço medalhão

Cabra com esse jeitinho

No sertão de meu padrinho

Cabra assim não tem vez não... 

A banda Os 3 do Nordeste também cantaram letras bem parecidas, uma delas é  de composição de Genaro e Edson Duarte, “Homem com Homem não dá”, de 1979. 

... A melhor coisa do mundo, é mulher

A gente não passa um segundo, sem mulher

Se não houvesse no mundo, mulher

Era a maior confusão, homem com homem não dá pé

Não dá pé porque homem com homem não dá

No forró tem que ter mulher pra gente dança...

Condutor e conduzido

Nos últimos anos, algo que tem ajudado e dado mais liberdade para os gays, é o movimento crescente de homem dançando com outro homem. 

Acredita-se, que essa nova forma de dança vem dessa globalização do forró, pois, principalmente na Europa, é visto com muita naturalidade. Com os inúmeros professores brasileiros dando aula no velho continente e os europeus frequentando o forró, no Brasil, é muito mais comum ver a cena.

Outra tese, que complementa a anterior, é que os professores passaram a buscar mais qualificação. Assim, um professor homem consegue explicar o que um conduzido precisa fazer.   

Tanto é que, muitos professores trocaram a denominação dama e cavalheiro, pelo condutor e conduzido, retirando o gênero da nomenclatura em suas aulas. 

Para suprir a falta de condutores em algumas regiões do Brasil, muitas mulheres começaram a aprender a conduzir para dançar mais.

Mesmo assim, ainda é possível ver cenas como de dois homens abordando mulheres dançando, como se aquela dança fosse um sinal de elas estavam buscando homens para dançar. 

Inclusive em 1999, a banda Forroçacana já cantava a música “Suor da Pele Fina”. 

...Mulher com mulher

Não tem nenhum problema

Se for reparar direito

É até bonito de se ver

Dançando juntinho

Parece até casal

No forró tete-a-tete

Não tem nada de anormal...

“Eu acho completamente libertador, libertador para todos. Isso vem não só de um movimento que anda acontecendo no forró, eu vejo isso como um movimento global, de expor essas mazelas na nossa sociedade. Seja o preconceito com gays, negros, trans, seja a liberdade de ser quem você é. Não acho que isso seja passageiro, penso que é um movimento de renovação na cultura geral das pessoas, de aceitar o que é diferente e de rever seus conceitos. Fico feliz demais com isso”.

“Eu acho o máximo, gosto bastante. Quanto mais a gente divulga, mais pessoas assistem e mais vai ficando natural. É o começo de uma quebra de estigma, de que o homem na dança só pode dançar com outra mulher. As pessoas precisas se acostumar com a dança pela dança”

Projetos

Outro projeto bacana está no Instagram. É o perfil “Dois pra Cá”, que luta contra LGBTfobia e dissemina a liberdade através da dança.  Além de divulgar a dança sem distinção de gênero,  o canal mostrar que a dança é livre e que não há mal nenhum uma dança entre dois homens ou duas mulheres. O perfil tem sido um apoio para muitas pessoas que já sofreram discriminação  

Infelizmente e, apesar de não afetar os participantes, as redes socias também são usadas para disseminar o preconceito. Para constatar isso, basta dar uma olhada  em alguns dos comentários feitos nos vídeos de dança entre dois homens,  em um dos canais com mais seguidores dentro forró.

 
Pois é, seja no ambiente virtual ou não,  é muito importante abordar e discutir esses temas, para que cada vez mais, a dança entre homens ou mulheres possa ser visto como algo tão comum que não cause mais espanto. 

Lógico, ninguém é obrigado a dançar com ninguém, mas todos somos obrigados a respeitar a escolha das pessoas. 

E  você, conseguiu se imaginar no lugar dos nossos entrevistadxs? 


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